MPRJ prende 17 policiais militares que fazem segurança armada do bicheiro Rogério de Andrade

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Uma ação do Ministério Público do Rio (MPRJ), na manhã desta quarta-feira, busca prender 19 policiais militares e um policial penal. Eles são acusados de fazer a segurança armada do bicheiro Rogério Costa de Andrade e Silva, patrono da escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel. Além dos 20 mandados de prisão pelo crime de organização criminosa, a Justiça expediu mais de 50 mandados de busca e apreensão nas casas dos alvos e em outros endereços ligados ao grupo. Até o momento, 17 PMs e um policial penal foram presos, muitos quando chegavam para trabalhar.

A ação contra os seguranças do contraventor é comandada pelo Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e pela Coordenadoria de Segurança e Inteligência (CSI) do MPRJ, com o apoio da Corregedoria Interna da Polícia Militar, da Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (Seap) e da Polinter da Polícia Civil. No momento, os agentes estão efetuando as prisões. Na lista, há 18 PMs da ativa, um inativo e um policial penal, também em atividade na Seap.

A ação, batizada de Operação Pretorianos, recebeu esse nome do Ministério Público numa alusão à Guarda Pretoriana, uma unidade de defesa pessoal dos imperadores romanos na antiguidade. A promotoria denunciou 33 pessoas. Além dos 20 alvos com mandados de prisão, há policiais militares que já foram excluídos da corporação.

Há 206 agentes em 70 viaturas da CSI e das corregedorias da PM e da Seap em busca dos alvos.

A Operação Pretorianos é a continuação da Calígula contra as redes de jogos de azar de Rogério de Andrade e de Ronnie Lessa, em 2022. Na época, os agentes cumpriram 24 mandados de busca e apreensão em endereços de empresas usadas na lavagem de dinheiro das casas de apostas. Foram denunciados Rogério; o filho dele, Gustavo de Andrade; o então chefe da segurança dele, Márcio Araújo de Souza; Ronnie Lessa — réu no duplo homicídio da vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes —; e os delegados Marcos Cipriano e Adriana Belém.

Quem é Rogério de Andrade

Rogério de Andrade, sobrinho de Castor de Andrade, chefão da cúpula do bicho até 1997, quando morreu, responde a processo por chefiar uma organização criminosa que domina o jogo do bicho, máquinas de caça-níqueis, bingos e cassinos, na Zona Oeste do Rio. Em agosto de 2022, após ficar quatro meses na cadeia, Andrade foi preso pela Polícia Federal que apreendeu com ele, numa casa, num condomínio em Petrópolis, uma lista de pagamento de propinas a policiais. Horas antes, o filho dele, Gustavo Andrade, que estava foragido desde a Operação Calígula, deflagrada em maio, também foi preso. Em dezembro do mesmo ano, o sobrinho de Castor foi solto por ordem do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em sua decisão, o ministro Jorge Mussi entendeu que não ficou provado nos autos a necessidade de manter a prisão preventiva, que deve ser a última opção.

A prisão de Andrade foi convertida em domiciliar, com uso de tornozeleira eletrônica. Para a vida fora da cadeia, o bicheiro precisa comparecer mensalmente ao juízo para comprovar suas atividades. O bicheiro também está proibido de manter contatos com outros réus e de deixar a cidade do Rio. A Justiça ainda determinou que ele permaneça em casa entre 20h e 6h. O contraventor tentou a liberação para ver os desfiles na Sapucaí no carnaval deste ano, mas não teve decisão favorável.

Gustavo de Andrade, filho do bicheiro, também teve a prisão convertida em domiciliar, após decisão da Justiça em junho de 2023. A decisão foi do ministro Kassio Nunes Marques, do STF. Ele foi acusado de fazer parte da cúpula da organização criminosa liderada pelo pai. Gustavo precisa seguir as mesmas determinações impostas a Andrade, inclusive o uso de tornozeleira eletrônica.

O “senhor do crime”

O bicheiro Bernardo Bello, em entrevista inédita para a série documental “Vale o escrito — a guerra do jogo do bicho”, acusou o contraventor Rogério de Andrade, seu rival, de querer matá-lo. Na produção do GloboPlay, Bello ainda afirma que Andrade é o “senhor do crime” no Rio de Janeiro e estaria por trás “de tudo que possa” no estado. Entre os assassinatos em meio à guerra por controle, Bello é apontado como mandante da morte do bicheiro Alcebíades Paes Garcia, o Bid.

No documentário, Bello disse que resolveu falar após concluir que Andrade estaria usando uma delação premiada, feita por Júlia Lotufo, viúva do ex-capitão do Bope Adriano Magalhães da Nóbrega, para acusá-lo de crimes praticados pelo rival. A colaboração não foi homologada pela Justiça.

— Todo mundo sabe que (o “senhor do crime”) é Rogério de Andrade. Não falo nenhuma novidade. Estou sendo o primeiro louco a ter coragem de dizer. Mas novidade? Nenhuma. Hoje, meu único problema se chama Rogério de Andrade, por causa das declarações que estou dando. Prefiro enfrentar um possível atentado, uma possível morte, do que ficar anos da vida ceifado da minha liberdade, do convívio com a minha família, por uma coisa que não fiz, para livrar a cara de um homem que há décadas vem aterrorizando e amedrontando todo mundo — disse Bello. A entrevista foi concedida quando o contraventor não era considerado procurado pela polícia e alvo de mandados de prisão.

Com narrativa de Pedro Bial e direção de Fellipe Awi, Ricardo Calil e Gian Carlo Belotti, “Vale o escrito” revisita todos os episódios recentes da guerra do bicho no estado. O ponto alto do documentário é a disputa pelo poder e pelo dinheiro envolvendo os integrantes de duas das mais famigeradas famílias da contravenção: os Garcia e os Andrade. Um confronto intenso que já deixou muitas vítimas pelo caminho e que, segundo entrevistados, está longe de acabar.

Os bicheiros Vinicius Pereira Drumond — herdeiro do bicheiro Luiz Pacheco Drumond, que morreu devido a um AVC, em 2020 —, Adilson Oliveira Coutinho Filho, o Adilsinho, e Rogério de Andrade são conhecidos no universo da contravenção como “Santíssima Trindade”.

Herdeiro da contravenção e brigas em família

Castor de Andrade, morto em 1997, aos 71 anos, vítima de um infarto, era o chefe de uma grande organização criminosa e patrono da escola de samba Mocidade. O posto de comando foi dividido por dois: o sobrinho Rogério de Andrade, que já atuava na contravenção, e o filho do bicheiro, Paulinho de Andrade, que se aliou a Fernando Iggnácio, então genro de Castor.

Rogério e Paulinho cresceram juntos. Quando o filho de Castro foi assassinado, em outubro de 1998, os investigadores já apontavam o primo como o mandante do crime. O ex-policial militar Jadir Simeone confessou ter matado Paulinho e afirmou que havia sido contratado por Rogério de Andrade.

Fernando Iggnácio então assumiu a parcela dos negócios da família, incluindo o posto de rival de Rogério. Por trás dessa rivalidade, além da disputa pelo jogo do bicho, estava uma briga pelos pontos de máquinas de caça-níqueis, um negócio ilegal e extremamente lucrativo que se espalhava pelo Rio. Esta briga deixou vários mortos ao longo de 20 anos.

Em abril de 2010, Rogério e seu filho Diogo, de 17 anos, voltavam de uma academia quando o carro explodiu em plena Avenida das Américas, na Barra da Tijuca. Os indícios levaram a crer que uma bomba havia sido instalada dentro do veículo, sob o assento do motorista. A detonação foi tão forte que arrancou o teto do automóvel. Rogério estava no banco do passageiro e sobreviveu. O filho adolescente, que dirigia sem ter carteira de habilitação, morreu na hora. Em 2001, também na Barra, Rogério sofreu uma tentativa de assassinato quando saía do apart-hotel da namorada. Um cabo fuzileiro naval da Marinha tentou atirar no contraventor, mas a arma falhou.

Em novembro de 2020, Fernando Iggnácio desembarcou de um helicóptero no Recreio dos Bandeirantes, na Zona Oeste, e foi morto com vários tiros de fuzil antes de entrar em seu carro, no estacionamento do heliponto. O Ministério Público denunciou Rogério Andrade como mandante do crime. O caso chegou até o STF, mas a Segunda Turma da Corte trancou a ação por não enxergar provas da ligação do bicheiro com o assassinato.

À frente da Mocidade

Rogério de Andrade chegou à Mocidade em 2014, 16 anos depois da morte de Castor de Andrade. Como homenagem ao tio, acrescentou um pequeno castor ao escudo da agremiação. Para valorizar a escola, passou a fazer investimentos altos nos desfiles, o que rendeu o título de campeã do carnaval em 2017.

Em 2018, Andrade decidiu se afastar, mas manteve aliados na direção da escola. Nos últimos dois anos, também parou de investir na Mocidade, o que a levou a acumular dívidas. A agremiação, inclusive, quase foi rebaixada no ano passado, ficando em penúltimo lugar.

O retorno foi no ano passado, em que passou a frequentar a quadra da escola, sempre dentro dos horários estipulados pela Justiça. A mulher, Fabíola Andrade, foi colocada no cobiçado posto de rainha de bateria, que investiu em treinos e preparações para melhorar no samba no pé, detalhe importante que não escondia nos vídeos da rotina compartilhados em suas redes sociais.

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